segunda-feira, 28 de junho de 2010

O tempo na narrativa

Sabemos que uma das grandes marcas do texto narrativo é o eixo da temporalidade. Dito de outra forma, toda narrativa é conduzida por uma linha temporal que pode ser sincrônica ou diacrônica; resultando, sempre, numa sucessividade de ação e reação.
Recurso consagrado na literatura, a narração no passado divide a história entre o tempo dos fatos e o tempo em que eles são contados.
Se prestarmos atenção, verificaremos que a maioria das narrativas acontece no passado. Uma voz, que pode ser de um narrador ou de um personagem, conta-nos algo que já aconteceu, não importa se há muitos anos ou há alguns segundos. Narrar no passado é recurso tão generalizado que se tornou quase imperceptível. Instintivamente já esperamos que um conto ou romance seja narrado dessa forma. Está na raiz de toda literatura como " contação de histórias " a reconstituição verbal de um fato acontecido, seja real ou imaginário. Toda narração é a narração presente de um fato passado.
Ou melhor, nem toda. É difícil rastrear quem foram os primeiros autores a contar no presente uma história fictícia. Esta forma de narrar está entrelaçada à literatura modernista que rompeu o molde tradicional de narrar nas últimas décadas do século 19. Em meados do século 20, já era um procedimento absorvido tanto pela alta literatura quanto pela literatura de massas da época.
Vale lembrar que há também a narrativa que busca o imediatismo do cinema. Assim, temos a sensação de ver a história acontecer aqui e agora, diante dos nossos olhos. Para muitos autores do século 20, era um modo instintivamente moderno de narrar, pois parecia prometer uma fusão entre passado e presente, autor e leitor, realidade e história.
Lembremos que Machado de Assis manipulava com maestria as duas formas de narrar (passado e presente), valendo-se do que podemos chamar de ' autoridade de autor', isto é, o poder que tem o autor de fazer o leitor seguir-lhe os passos, aceitando tudo, acreditando em tudo, confiando no jogo imaginativo que o autor lhe propõe. A grande vantagem de Machado era a de que escrevia em folhetins de jornal e se valia da cumplicidade implícita acarretada por esse meio de dialogar com o leitor. É o caso que se verifica em "Habilidoso" (1885), em que emprega o senso de imediatismo, de presença, criando uma narrativa no presente do indicativo.
Outro exemplo de narrativa que recorre ao mesmo expediente é "Noivado"( 1966) de Osman Lins.
Vale a pena revisitar esses textos, ou então conhecê-los, pois eles revelam o grau de excelência em lidar com o tempo na narrativa.

2 comentários:

  1. Muito legal, nunca pensei no tempo da narrativa, é realmente interessante :)

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  2. Bom que tenha aproveitado o artigo. Fico motivada a escrever mais.

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Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.