segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Desambiguação pela crase

Sabemos que muitas disciplinas do ensino superior são ministradas pelo ensino não presencial. Essa situação é mote para um questionamento linguístico: o correto é "ensino a distância" (sem acento de crase) ou "ensino à distância" (com acento de crase)?
Estamos diante de uma questão sintático-semântica, em um daqueles casos em que o usuário da língua tem de escolher, mas aqui a falta de acento estende um nevoeiro dispensável sobre a língua. O simples é pôr acento de crase em "ensino à distância", por desambiguação, e podemos justificar a escolha à luz do contexto em que a expressão está inserida.
Exemplificando: se alunos estudam a noite, o objeto de estudo é a noite, mas se estudam à noite, a crase está designando que, à semelhança de boa parte dos brasileiros, não têm tempo de estudar de dia e estudam à noite. Mas não estudam a noite, a menos que sejam astrônomos. Nem estudam a distância, a menos que sejam topógrafos. Eles estudam à noite e à distância.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

"De" férias ou "em" férias?

Há questões de linguagem que nunca nos dão trégua. Professores e alunos estávamos em férias ou de férias; ou ainda, seria féria ou férias?
Há aqueles que defendem o uso de "em" e argumentam que estamos "em" algum lugar e não "de" algum lugar. Mas as duas modalidades são corretas, sendo que "de férias" é expressão que predomina.
Carlos Drummond de Andrade 'brincava' com as regras normativas da língua e em sua crônica "Tirar férias" optou por escrever "em férias", variante que, aos poucos, a norma culta abonou. Vejamos:

"Se me pedirem para contar o que fiz nestas férias, direi lealmente: ignoro. Aos convites disse não, alegando estar em férias, alegação forte como a de estar ocupadíssimo(...) Nada aconteceu? O não acontecimento é a essência das férias".

É também de Drummond o verso corajoso "Tinha uma pedra no meio do caminho", em que consagrava uma heresia gramatical, há muito canonizada pela fala do povo: a substituição do verbo "haver" pelo verbo "ter", no sentido de existir.

Relativamente à "féria", foi a Igreja quem impôs, ainda no século 4, a denominação de "feria" para todos os dias da semana, depois mudada para "feira". Os nomes de deuses pagãos foram substituídos pelo latim "feria" para designar os dias da semana. Domingo era a primeira "feria".
Os "feriae", dias festivos, dedicados a alguma divindade pagã, foram depois reunidos em determinado período do ano com o fim de organizar merecidos descansos denominados "férias". A norma culta da língua determinou que "férias" é palavra plural e com ela o verbo concorda. Ex: As férias foram ótimas.
E ontem como hoje, quando estamos "de férias", ficamos ocupadíssimos!

Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.