sexta-feira, 29 de abril de 2011

O uso passional dos sufixos -ão e -inho

Nós, nativos da língua portuguesa, talvez não nos damos conta de que a nossa língua, especialmente a língua falada, é repleta de palavras aumentativas e diminutivas.
Essa é uma das grandes diferenças do português relativamente a outras línguas: a sua facilidade em criar aumentativos e diminutivos a partir de qualquer palavra (euzinho, devagarinho, rapidão).
Já que essas formas são tão caras ao português é preciso derrubar o mito de que aumentativos sempre representam coisas grandes, e diminutivos, coisas pequenas. "Fogão" não é um fogo grande; "balão" não é uma bala gigante. Além desses casos extremos de aumentativos e diminutivos puramente formais, existem muitos outros (a maioria) que revelam muito menos o tamanho do objeto do que nosso estado de espírito em relação a ele. Meu "filhinho" pode ter 1,90m de altura, meu "brinquedinho" pode ser uma Ferrari, meu "cãozinho" pode ser um mastim napolitano. Em compensação, uma mulher não precisa ser alta nem gorda para ser um "mulherão".
Às vezes, um diminutivo é aumentativo: "rapidinho" é muito rápido, "cedinho" é muito cedo, um sujeito "espertinho" é o mesmo que um "espertalhão".
Muitas línguas não têm sufixos formadores de diminutivos ou aumentativos, ou se os têm, são poucos: é o caso do inglês, do alemão, do francês e do italiano.
Diante desse quadro, o português mostra-se, destacadamente, como a língua que mais facilidade tem para criar e usar aumentativos e diminutivos. E, o que é mais interessante, com as mais variadas nuances de sentido, do apreço (queridinho) ao desprezo (mulherzinha); do carinho (filhão) ao ódio (bandidão). Certamente um "cochilinho" depois do almoço é altamente reparador e relaxante. E nada é mais gratificante do que torcer para o Timão, o Verdão, o Mengão...Como diríamos tudo isso na língua de Shakespeare, na de Racine, na de Dante, na de Goethe?!
Enfim, se é verdade que as línguas podem revelar a visão de mundo dos falantes, podemos dizer que nós vemos o mundo com olhos sentimentais e compassivos.
Aldo Bizzochi diz que esse traço de nossa língua talvez se identifique com a cordialidade de que falou Sérgio Buarque de Holanda em "Raízes do Brasil". Mas aqui, parece que a cordialidade não se confunde com gentileza ou polidez: somos cordiais no sentido etimológico (do latim "cor,cordis") isto é, coração.
Nossa fala é impregnada de sentimento, mesmo quando pretendemos ser neutros e objetivos, e o uso generalizado dos sufixos "ão" e "inho", que se agregam a praticamente qualquer classe gramatical, mostra o quanto somos passionais.

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Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.