segunda-feira, 1 de março de 2010

As sutilezas do "mas"

Início de ano letivo: tempo de rever, exercitar e dominar as diversas modalidades redacionais. É bom lembrar que a estrutura dissertativa exige muito cuidado no uso dos elementos coesivos - os que "costuram" períodos e parágrafos -, já que promovem ou não a coerência do texto.
Atentemos à conjunção mas, que pode realçar conclusões e marcar oposição entre sentidos diferentes.
Nas sequências " É loira, mas é inteligente" , " É inglês, mas é caloroso" , " É argentino, mas é modesto" , observamos que são exemplos propositalmente estereotipados e preconceituosos cujo objetivo não é a discussão de questões culturais ou ideológicas, e sim o funcionamento do "mas".
Os livros didáticos costumam repetir que o "mas" é uma conjunção adversativa que 'une' duas orações para formar um período composto por coordenação.
Nos exemplos acima, a segunda oração não é uma adversativa da primeira: parece impossível que alguém sustente que " inteligente" se opõe a "loira", que " caloroso" se opõe a "inglês" e que " modesto" se opõe a "argentino".
O que provavelmente se pode dizer é que os três predicados se opõem a outros que estão associados (são estereótipos) a loiras, a ingleses e a argentinos: loiras seriam burras, ingleses seriam frios e argentinos seriam orgulhosos.
Dessa forma, inteligente, caloroso e modesto opõem-se não ao que é dito na primeira oração, mas a um implícito associado a elas. O sentido expresso pelo termo "adversativa" faz sentido, claro, mas não se manifesta na superfície do dito.
O semanticista francês Oswald Ducrot propôs uma boa explicação para o " mas" : ele não contrasta as duas orações que une, mas opõe a segunda (ou o que se conclui dela) ao que se conclui da primeira. Observemos um exemplo bem cotidiano: " A casa é grande, mas é cara". Em cultura como a nossa, o fato de a casa ser grande é um argumento para comprar ou alugar (casas grandes são valorizadas) e o fato de ela ser cara é um argumento para não comprar ou alugar. Assim, o funcionamento da conjunção "mas" é o seguinte: opõe as conclusões implícitas e faz a segunda ser mais forte do que a primeira.
Sírio Possenti faz uma outra sugestão em relação ao "mas", dizendo que esta conjunção marca a oposição entre dois pontos de vista que podem ser expostos em duas orações simples, mas também podem sê-lo em dois longos trechos, já que o " mas" é um marcador discursivo.
Por tudo isso, o "mas" merece atenção em seu emprego no texto dissertativo, a fim de que contribua, efetivamente, para instaurar os sentidos previstos na argumentação.




Um comentário:

  1. Professora!

    Posso etsar na faculdade, mas não posso negar que adoro ler suas postagens^^.

    Beijos!

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Quem sou eu

Mirian Rodrigues Braga é mestre e doutora em Língua Portuguesa pela PUC/SP. Especializou-se em analisar as obras de José Saramago. Em 1999, publicou A Concepção de Língua de Saramago: o confronto entre o dito e o escrito e também participou da coletânea José Saramago - uma homenagem, por ocasião da premiação do Nobel ao referido autor. Em 2001, publicou artigo na Revista SymposiuM da Universidade Católica de Pernambuco. Atuou como professora-assistente no Curso de Pós-Graduação lato sensu da PUC/SP. É professora de Língua Portuguesa e Redação no Ensino Médio e Curso Pré-Vestibular do Colégio Argumento.